Entrevistas

08/07/2020
Nilton Santos como quase ninguém viu


Jornal do Brasil do dia 03 e 04 de abril de 1960 - Foto: Reprodução


No fim de semana em que Nilton Santos completava 12 anos de Botafogo, o Jornal do Brasil fez uma entrevista com o jogador. Foram duas páginas com três dezenas de perguntas. A Enciclopédia abriu o seu coração e falou tudo o que pensa sobre o futebol. Naquelas páginas é possível vislumbrar a sua personalidade e as razões de seu talento e sabedoria.

Tal relíquia encontra-se disponível na Biblioteca Nacional e pode ser consultada de qualquer lugar do mundo através do portal da BN. Por vocês, conseguimos a permissão do Centro de Pesquisa e Documentação de História do JB para a reprodução aqui no site. Como são muitas questões, dividiremos o conteúdo em duas postagens. Confira a seguir a primeira parte desta maravilha.

Jornal do Brasil, 3 e 4 de abril de 1960.

Questionário

JB: Porque você é zagueiro?

NS: Quando comecei a minha carreira no Botafogo eu não tinha posição definida. Era tudo, menos goleiro e ponta direita. “Seu” Carlito definiu que eu seria zagueiro lateral esquerdo.

JB: Zagueiro deve driblar na pequena área?

NS: Tendo certeza do drible, sim. Às vezes, o zagueiro é forçado a driblar. Exemplo: no instante de atrasar a bola ao goleiro, o zagueiro percebe que o atacante vai se antecipar e cortar a jogada. Ai, então, a solução é o drible para surpreender o atacante. E, nesse caso, a jogada será quase sempre perfeita.

JB: Por que no começo da carreira você driblava tanto na área?

NS: Porque os atacantes não acreditavam em mim e achavam sempre que eu ia despachar de qualquer maneira. E enquanto eles pensavam assim, eu aproveitava para dar o drible. Há, no caso, uma diferença: eu nunca tomo a iniciativa do drible; o atacante é que força a situação para ser driblado, o que já é uma grande vantagem para mim.

JB: Em que posição você jogava no tempo de pelada?

NS: Meia-esquerda avançado, de preferência. Tinha loucura por gol.

JB: Garrincha é mesmo imarcável?

NS: Acho que é.Se ele driblasse como os outros, isto é, procurando enganar, talvez não fosse imarcável. Mas, acontece que Garrincha não engana, ele anuncia a jogada. Todo mundo sabe o que vai fazer e, ainda assim, ninguém consegue dominá-lo na marcação direta. É evidente que com cobertura de outro jogador, Garrincha deixa de ser imarcável. Mas, homem a homem, acho-o imarcável. Ele é normalmente imarcável; no exterior, ninguém consegue marca-lo. Se no Brasil se consegue é porque botam contra ele não um homem, que seria o normal, mas vários, não para marca-lo, mas para bloqueá-lo.

JB: Que deve fazer o “half” para neutralizar o Garrincha?

NS: Ele estando em forma fisicamente e, se tratando de um só homem, o jeito é mesmo como diz Zizinho: torcer para o homem não entrar em campo, ou, então jogar na sorte.

JB: Tem ideia formada a respeito da maneira de driblar de Garrincha?

NS: Pelo que tenho observado, acho que ele para a bola, fica olhando para o pé do adversário (o esquerdo, no caso do famoso drible) e dá o toque na bola justamente quando o marcador está com o pé apoiado no chão. Além disso, ele conta com uma velocidade inicial incomparável. Em suma, ele dribla com o pique.

JB: E o do Julinho?

NS: Julinho executa o drible, quase o mesmo drible, para os dois lados, mas como não tem o pique de Garrincha, executa o drible na corrida. Julinho, ao contrário de Garrincha, raramente estanca. Ele vem realizando a jogada em plena velocidade, o que, a meu ver, dificulta o drible.

JB: Já deu carrinho?

NS: No Brasil, nunca, porque jogo sempre em campo seco. Na Europa, dou, sempre, porque com o campo molhado, a bola resvala e foge muito do domínio.

JB: Acha que cabeceia bem?

NS: Não, não é o meu forte. Quando muito, procuro me defender pelo alto. Realmente, gosto muito mais da bola pelo chão. Nunca tive a conta perfeita da bola pelo ar.

JB: Que é mais fácil: jogar na defesa ou no ataque?

NS: No ataque. A responsabilidade é muito menor e o ataque tem o direito de errar sem grandes consequências. Um erro lá atrás pode dar complicações dentro e fora de campo.

JB: Qual é a maneira mais eficiente de enfrentar o atacante que tem a bola dominada?

NS: Parar diante dele. Com isso, a gente força o homem ou a atrasar a bola ou a tentar o drible, o que é uma chance para o defensor. Além disso, a parada dificulta o centro e o chute ao gol. O centro pode ser cortado sem grande dificuldade e, quanto ao chute, o atacante fica sem poder tomar distância para o arremate. Se tentar, a bola está muito perto dele e o chute sai fraco. Se ele resolver tomar distância para o chute, o defensor tem chance de chegar na bola antes.

JB: Que jogada executa com mais prazer e confiança?

NS: O passe e se possível de curva porque a bola já chega ao atacante em condições de ser chutada, sem precisar de ser dominada. Principalmente o passe longo, em profundidade.

JB: Já tomou bola por entre as pernas?

NS: Já, três vezes. Uma do Zizinho, jogo Bangu x Botafogo; outra do Garrincha, no primeiro treino que ele fez no Botafogo. A terceira foi do Jacinto de Thormes, num campo, em Correias. Parei diante dele, o campo estava molhado. Quando dei por mim, Jacinto tinha enfiado a bola por entre as minhas pernas.



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